Fraca matriz. Os fundadores do Roma foram meninos expostos, dois gémeos, alimentados por uma loba. A efígie dos dois irmãos rivais — Rómulo assassinou Remo — foi infinitamente repetida em moedas e esculturas, sugando o leite da fera. Parece que não foi uma fera que amamentou os dois gémeos. As duas crianças expostas, como milhões de outras, durante Séculos na sociedade romana, foram salvas por uma prostituta que se compadeceu delas, as recolheu e amamentou. Loba era o nome com que os Romanos figuravam a prostituta, espreitando no seu lupanário os possíveis clientes, que atraia no seu antro. Àquela mulher que se prostitui com os pastores do sítio onde Rómulo e Remo haviam sido abandonados, teriam dado o nome de Lupa. Fraca matriz, a das fundações de Roma. Que o digam as nações e povos a quem, da Lusitânia à Palestina, Roma impôs a sua vontade de ferro. Não foi estigma de Pedro, o Apóstolo, quando na sua 1.ª carta, que escreve de Roma, diz: “A igreja que está em Babilónia, escolhida como vós, vos saúda, assim como Marcos, meu filho” [1 Pedro 5, 13]. É ainda sobre Roma que o Apocalipse contém passagens como esta: “Caiu, caiu, caiu Babilónia a grande! Com o vinho das suas prostituições se banquetearam todas as nações; os reis da Terra fornicaram com ela e os traficantes do mundo enriqueceram com o seu luxo desenfreado!” [18, 2-3].
Quando a Evangelização inflectiu em direção aos Gregos e logo depois para Roma, os Apóstolos não ignoravam o tipo de sociedade que iam abordar. Também hoje, acabada a lua-de-mel e consumada a separação dos Estados e das Igrejas, de uniões que tantas vezes foram adulterinas da parte daquela que havia de ter cuidado a sua fidelidade a Cristo, não devemos ignorar o tipo de sociedade no meio da qual vivemos. Há um tempo para fazer o elogio da Europa e há um tempo para lhe não poupar os seus erros. A Europa sempre foi anti-natalista. Não é de hoje. Entre nós, a chegada dos filhos sempre foi considerada uma tragédia, desde Rómulo e Remo! Há estudos feitos sobre este anti-natalismo clássico. Só que agora os meninos não são nem estão somente expostos depois de nascerem. Não se trata do aborto. É mais estranho ainda. Trata-se da manipulação genética, que expõe o ser humano desde a sua concepção.
Bancos de esperma, bebés-proveta, homens-grávidos e experimentação sobre germes humanos vivos, etc. Até já se fala da criação em laboratório das velhas quimeras.
Nem já os cientistas resistem ao vedetismo e ao dinheiro, ao papel de jornal, ao papel de banco e a um papel de vanguarda. Meninos de pai incógnito [anonimato garantido, com certificado de boa origem, a mães solteiras ou casadas] e até de mãe incógnita é coisa que nunca faltou aos montes em vastas e imensas creches. Crianças sem pai nem mãe, sem pai ou sem mãe, os técnicos não precisam de os fazer. Basta dar um voo até ao Brasil, onde habitam nas ruas do Rio de Janeiro milhares de meninos sem pai nem mãe. Fazer uma criança? Porquê tanto trabalho laboratorial? É a coisa mais fácil que há de fazer. Até se faz por distração, ou por engano…
Não é uma grande novidade. Há muito que se sabe que no óvulo fecundado pelo espermatozoide começa a existir um ser humano, independente do organismo que lhe fornece o lugar da sua nidificação, tão individualizado, já que põe ao organismo da mãe problemas de imunologia, de aceitação ou de rejeição. Tão independente que, por acidente, pode aninhar com êxito fora do útero, seu ninho natural. Se o transplantarem até para uma concavidade abdominal dum homem, e resolvidos os problemas imunológicos [à maneira dos enxertos], pode ali ser gestado, de facto, apenas alimentado através do cordão que, como uma âncora, o feto lança ligando-se àquele organismo. Já se sabia disso há muito tempo. Só não se sabia que haveria alguém para o ousar, não se pondo um caso de força maior, como a salvação da espécie humana, à maneira do incesto das filhas de Lot [Génesis 19, 30-38].
Mas não sejamos hipócritas. As crianças, de facto, não são ou não estão mais expostas agora do que antes. Nem sequer, afinal, estão ou são mais expostas nos seus genes e na sua gestação do que depois de nascidas. A sociedade no meio da qual vivemos, anti-natalista nas suas raízes, expõe há muito os seus filhos, mesmo quando os guarda, pois não lhes dá muito tempo ou muito lugar, fazendo da maioria dos seus membros aleijados afectivos em cadeia. Ao anti-natalismo veio juntar-se um individualismo feroz que recusa às crianças muito cedo o colo e os seios, e até a vista dos seus pais no tempo diurno. Há crianças que só veem os seus pais de noite, porque ao fim de semana… o direito ao descanso e à distração faz do domingo um dia muito aborrecido para as crianças. Como diz a canção: “As crianças aborrecem-se ao domingo!…” [in ‘Cría Cuervos’, filme de Carlos Saura, 1976]. As crianças estragam tudo? Os jovens brincam com bombas? Não há razões para um espanto tão grande.


Leonel Oliveira
Actos e Actas n.º 37 | Voz Portucalense, 17 de julho de 1986