Não está comprometido o diálogo ecuménico entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa ou, mais corretamente falando, entre a Igreja de Roma e as Igrejas Orientais. Como se previa, dum lado e do outro, o caminho da unidade será muito difícil, para não dizer impossível aos olhos dos homens. De facto, “a Deus nada é impossível” [Lucas 1, 37]. Mas a quem conhece os abismos históricos cavados e escavados pelas nossas vaidades coletivas ao longo de séculos, a unidade tão desejada mais parece uma miragem e será um milagre.
As desculpas apresentadas pela Igreja da santa Rússia e da Geórgia não enganam ninguém. Não puderam estar na 4.ª Reunião da Comissão Mista Católica-Ortodoxa por razões técnicas, isto é, não estiveram presentes porque não puderam, porque não lhes foram concedidos os passaportes pelas autoridades soviéticas, que só deixam os bispos russos ou das outras repúblicas anexas deslocar-se ao Ocidente quando interessa à propaganda. Mas a ausência da Igreja grega e da Igreja de Jerusalém [ortodoxos] já é muito mais significativa. A dificuldade de fundo continua a ser com os Gregos. E continuará, por isto ou por aquilo. Surpreendem as razões invocadas. O Vaticano teria cometido uma ingerência no seio das igrejas Ortodoxas, reconhecendo e apoiando o cisma da Igreja Ortodoxa que está na República Socialista da Macedónia [Jugoslávia], que se havia declarado unilateralmente autocéfala, o que não foi aceite por nenhuma das Igrejas Ortodoxas. De facto, o que e que aconteceu? Uma simples exposição de ícones de colaboração entre os museus do Vaticano e o museu de Skopje. Mais nada. Mas vieram juntamente à baila muitos outros motivos, como a acusação de proselitismo católico em relação aos crentes ortodoxos… Perto do fim da sessão em Bari, outras Igrejas, além da de Jerusalém, se solidarizaram com os Gregos, como os representantes da Igreja da Sérvia e do Chipre. As outras Igrejas Ortodoxas participantes até ao fim no 4.º Encontro sentiram-se extremamente incomodadas com o incidente, pedindo explicações aos representantes de Roma. Estes foram admiráveis em calma e serenidade, e franqueza. As suas explicações, além de muito objectivas e isentas, possibilitaram um trabalho positivo ao encontro ecuménico, apesar de manco, e revelaram que os membros da parte católica foram escolhidos entre o que há de mais competente e consciente nos nossos meios ecuménicos.
Exceptuando a Igreja russa e a Igreja grega, as outras Igrejas Ortodoxas são comunidades muito pequenas, apesar de numerosas, dispersas por todo o Oriente europeu e Médio Oriente. Tem-se a impressão que, vencida a resistência dos Gregos, o caminho da unidade entre Católicos e Ortodoxos estaria extremamente facilitado. A grande dificuldade são os Gregos. Ou, melhor, os Gregos têm grandes dificuldades em relação a Roma. Nunca o esconderam, aliás. E a questão não tem a ver unicamente com os Bispos da Grécia. Já na última tentativa histórica de união entre os Gregos e os Latinos, no Concílio de Florença [1439], a dificuldade foi popular. Houve bispos que aceitaram a união, mas não foram seguidos nem pelos presbíteros nem pelo povo.
As acusações de proselitismo cometido por Católicos não são muito verdadeiras. O contrário talvez seja mais verdadeiro, pois tem-se visto os Ortodoxos abrir os braços a muitos Católicos dissidentes e adversários do II Concílio do Vaticano. Mas é um erro verificarmos à lupa quem é mais proselitista e, neste aspecto, uma das conclusões do 4.º Encontro foi um estudo e uma análise a elaborar sobre o proselitismo entre as Igrejas.
Não compete aos Católicos fazer o exame de consciência dos Gregos. A atitude mais ecuménica [e cristã] será manter a todo o preço o diálogo e esperar calmamente os sinais da Graça que trabalha em todas as Igrejas. Compete, sim, aos Católicos fazer o seu próprio exame de consciência. E temos, sim, temos muito que examinar as razões que opõem os Gregos a nós. Basta a gente imaginar-se um pouco do lado de lá e sentir na carne as recordações históricas da opressão latina. E não só. Como é possível apresentar-lhes a ideia do primado de Roma, que não lhes é de maneira nenhuma estranho nem aberrante, mas que anda revestido de tanta papolatria e de beatice curial, que até entre os Católicos nos vemos com sérias dificuldades para o encaixar na Colegialidade? Não passa duma anedota, mas o jornalista fixou o facto. Na viagem de João Paulo II à Índia, quando o jornalista manifestava diante dum monsenhor o seu espanto por tanto entusiasmo popular, este comentou, estilo cortesão: “É a sua divina presença!…”.


Leonel Oliveira
Actos e Actas n.º 39 | Voz Portucalense, 14 de agosto de 1986

Pintura: ‘Santíssima Trindade’, 1411 ou 1925-27 | Andrei Rublev