São tristes os modernistas, tão tristes como os integristas. Estes matam sempre a vida com a ‘letra’. Aqueles vendem-na ao desbarato. Nestes caminhos nunca há lugar para o novo, para a surpresa, para o imprevisto, para o inexplicável. Por, ali, não passam os companheiros de Emaús, onde é o Novo que explica o Velho. Quem não sentiu arrepios — não digo dúvidas, digo arrepios — ao ouvir certos explicadores e as suas explicações da ressurreição de Cristo? Até parece que não serviu de nada a experiência ganha com os abusos da filosofia e da Escolástica, que tudo explicavam e tudo sabiam e que reduziram os mistérios da Fé a uma aberrante ‘gnose’ sem nome. O Modernismo, ao contrário do que a palavra aparenta ou pretende, tem pouco a ver com a modernidade. Apesar do juramento anti-modernista que eram obrigados a fazer todos os ordenados [diáconos, presbíteros e bispos] antes do Concílio do Vaticano II e apesar das condenações formais que até lhe fizeram a lista dos erros, o Modernismo como sistema ou escola de pensamento teológico nunca chegou a existir. Foi uma atitude mental mais do que outra coisa e levou muitos cristãos a tentar adaptar os dogmas da Igreja ao mundo moderno e às suas descobertas científicas em todos os domínios [história, psicologia e sociologia, etc.].
Nada explica a ressurreição de Cristo. Não há filosofia ou ciência que a explique. A ressurreição de Cristo é mais significante do que significada. A sua singularidade constitui toda a dificuldade de qualquer explicação. As primeiras testemunhas da Ressurreição estavam diante do facto, como estão agora os astrofísicos e os astrónomos diante do conhecimento unitário do Universo, esbarrando com a impossibilidade de o explicar devido à sua singularidade, apesar de tocável, observável e até mensurável… o que lhes irrita a vaidade, que até agora sempre afirmou que só existe o que se explica. Não tendo o Universo explicação na sua existência unitária e nos seus princípios e fins absolutos, os cientistas estão tentados a negar-lhe a existência, à maneira de Sartre… ao negar o sentido da existência…
É verdade que a ressurreição de Cristo é a ordem da Fé, mas os dados da Fé não são menos reais nem menos materiais que toda e qualquer outra realidade ou materialidade. Era a Fé que os fazia ver [aos Apóstolos e aos outros Discípulos] o Cristo ressuscitado, ou era o Cristo ressuscitado que os fazia acreditar? Eles não tinham uma explicação, como ainda hoje ninguém tem, para o facto e para a materialidade da Ressurreição. Daí o seu espanto e o medo de acreditarem. Não sabiam o que pensar, não sabiam o que dizer. Estavam diante da Ressurreição de Cristo, como estariam as primeiras testemunhas — se as tivesse havido — diante da criação do Mundo. Nem a ressurreição de Lázaro os preparou para isso, que não foi mais do que a reanimação dum cadáver. Jesus era ele e outro… A sua materialidade foi testada, ele próprio o propôs, ordenando que lhe tocassem a pele e os ossos: “como vedes que eu tenho e um fantasma não tem”. Correu à frente deles para lhes provar a realidade física do seu corpo. E, contudo, as portas fechadas “por medo dos Judeus” não foram obstáculo à sua entrada, assim como as suas aparições e desaparições não tinham explicação se ele fosse um cadáver reanimado. Os Apóstolos nunca explicaram a Ressurreição, mas testemunharam-na por toda a parte e até à ultima gota de sangue.
Ora, estes nossos modernistas chegam ao pormenor de explicar que “se uma máquina fotográfica, por hipótese, tivesse fixado com a objectiva a Imagem de Jesus ressuscitado, na película não ficaria registada qualquer impressão”. São menos generosos do que os espíritas ou do que estes parapsicólogos da moda… Eu não sei se ficaria registada ou não qualquer impressão na película. O que sei é que o ‘teste do fantasma’ foi feito e proposto pelo próprio Jesus, que lhes explicou toda a Escritura, “começando por Moisés e percorrendo todos os profetas”, eles “que o reconheceram no partir do pão”. Não há nada que explique a Ressurreição. A Ressurreição é que explica tudo. Ela é a ‘brecha que abre o Universo e a Vida a um princípio de resposta para todas as coisas significadas, mas a que faltava uma realidade significante.
Os modernos astrofísicos exultam com a mais pequena descoberta astronómica, pois nela julgam encontrar a explicação para a vida. Mas, de facto, o que há lá em cima é igualzinho ao que há cá em baixo: uma multidão de significados a que falta o mesmo significante, o mesmo sentido. As estrelas são todas da mesma natureza, ainda que no seu coração se situe o grande laboratório onde se fabricam os materiais fundamentais da vida. A ciência, como a filosofia, não justifica Jesus Cristo. O contrário é que é verdade.


Leonel Oliveira
Actos e Actas n.º 66 | Voz Portucalense, 23 de abril de 1987
Pintura: Sebastiano Ricci [1659-1734] | ‘A Ressurreição’ [c. 1715]