Há um certo desconcerto se compararmos a abundância de informação e formação bíblica com a míngua ou quase inexistência de iniciação à História da Igreja. Nunca será demais ir às fontes que purificam e renovam o Cristão e a Comunidade. Contudo, as fontes nascem e brotam para fazer o rio, para alimentar o caudal. O próprio rio não tem toda a sua explicação nas fontes. Sem o caminho feito e os obstáculos desfeitos, sem os afluentes e as confluências, e tudo o que o rio arrasta, remove e vivifica, as fontes acabariam por alagar tudo à volta… Não há nada mais parado do que um lago! De facto, há muitos cristãos alagados neste século, extraordinariamente cheios, mas estagnados, parados, de Bíblia na mão e de Evangelho na boca. Tendo reduzido o Cristo à cabeça e tendo-o separado do corpo da sua realização histórica, dão saltos espantosos, saltos históricos quase desesperados para encontrarem Abraão e os Profetas, e o próprio Cristo Jesus. Fazem-nos imensa pena estes cristãos, sobretudo quando o resultado se cifra em figuras esbatidas, feitas de papel e de letra, em fundos de tintas anacrónicas. Não, na Igreja não é assim que conhecemos e encontramos o Cristo, entre Moisés e Elias. Na igreja não precisamos de dar esses saltos milenários. Não será com a imaginação que se dará a Transfiguração. Não é necessária essa peregrinação esgotante ao carvalho de Mambré, ao Sinai, ao Carmelo e ao Tabor, para encontrarmos a Tenda da Reunião. “Não é preciso correr os mares do tempo, nem subir às nuvens de céus imaginários” [Deuteronómio]. Está muito próxima, escandalosamente perto. Dá pelo nome muito humilde de Igreja, nome quase ridículo aos ouvidos dos modernos bem-pensantes.
Vamos conversar? Tenho que vos contar uma História. Sim, tudo tem uma história, sobretudo a Igreja que, além de ter uma história, é uma História, um caminho feito, não perfeito, não acabado, talvez ainda muito imperfeito. O pretérito é sempre imperfeito. Todos os pretéritos perfeitos são passados mortos, já que os mais-que-perfeitos são todos mitológicos… mas há uma coisa maravilhosa no passado da Igreja: são os tempos que a Graça fez, são valor acrescentado!
Nos Actos e Actas não se fará História da Igreja no duplo sentido de ensino e investigação. Para isso há outros sítios e competências para o fazer. Quem dever, quem puder e souber, que o faça. Seriam muito úteis a todos os níveis da catequese de adultos, jovens ou crianças, iniciações à História da Igreja, que não deixassem os cristãos, em dia de Ascensão, de olhos em transe no Céu, e que não parassem a Igreja nas últimas linhas dos Atos dos Apóstolos inacabados.
Nos escritos do Novo Testamento está o método de uma verdadeira e completa iniciação em Cristo e na Igreja. Há os quatro Evangelhos, há as Cartas dos Apóstolos, há até um livro que nos revela o mistério do tempo que corre – o Apocalipse – e há um livro incompleto, bem entendido os Atos dos Apóstolos. Foi nesta escola que o grande Bispo de Hipona, Agostinho, encontrou o método para a iniciação dos catecúmenos: “Todo o ensino deve começar em ‘No princípio Deus criou o Céu e a Terra’ e acabar no momento atual da vida da Igreja”. Naquele momento já os Vândalos, passando e arrasando a nossa Península Ibérica, se dirigiam para África, onde a clarividência do bispo africano preparava o acolhimento evangelizador aos Bárbaros.
Nos Actos e Actas tentaremos apenas, a partir das interrogações da Atualidade formuladas em todos os lugares da Igreja e do Mundo, tirar do Tesouro e distribuir à mão-de-pegar os atos e as atas da Igreja, que iluminarão com flashes de Graça as horas e os tempos sucessivos que a Graça fez. Não se trata de ir à busca do tempo perdido. Iremos, pelo contrário, à procura do tempo salvo. Não serão efemérides, pois encontraremos os materiais que já fazem parte da Cidade do Futuro, coisa de que o tempo efémero não se há de orgulhar. Também não faremos filosofia da história, apesar de tudo, sempre discutível. As reflexões que ensaiaremos seguirão o caminho seguro do desígnio, o mistério da Vontade de Deus revelado no Cristo Jesus, cuja altura, largura e profundidade aparecem de forma inconfundível nos atos e nas atas da Igreja. Não fugiremos aos pecados da Igreja. Não faremos falsa apologética. Mas havemos de ver “se aceitarmos subir”, como diz Teilhard de Chardin, “a este ponto privilegiado, que não é o cume reservado a alguns eleitos, mas a sólida plataforma construída por dois mil anos de experiência Cristã”, havemos de ver um caminho feito que ninguém desviará e que chegou aqui e agora, e que ninguém impedirá de seguir para a Frente, para o Alto, porque não é um caminho qualquer, mas o Caminho! O mais interessante no Caminho já feito é que ele não foi fruto de qualquer determinismo ou acaso, mas pura obra da liberdade dos Santos, fruto autêntico da Graça e da Verdade. Os pecados da Igreja? São mais do que as pedras que os nossos adversários nos atiram à cara. Nem eles sabem meia-missa. Nunca os esconderemos, porque eles, mais do que as públicas virtudes, demonstram o poder da Graça.
Leonel Oliveira
Actos e Actas n.º 1 | Voz Portucalense, 31 de outubro de 1985
Imagem: “A Ceia em Emaús” [1601] | Caravaggio