Da parte dos gnósticos é que a Igreja sofre hoje perseguição, não é da parte dos agnósticos. Nem estes são aqueles ateus que nos parece ver por todo o lado, contra os quais gastamos a nossa apologética em combates quixotescos e com argumentos que só nos convencem a nós próprios, como quem “dá murros no ar”. O ateísmo continua a ser o que sempre foi: um fenómeno reduzido, residual. Os gnósticos modernos, como os antigos, não são ateus, evidentemente. Fazendo do Céu ou da Terra um exclusivo, eles são os mais fanáticos dos adoradores. Mas os agnósticos também não são ateus, eles só pensam e dizem: “entre os deuses não encontro Deus”. Ainda à procura ou já desanimados de o encontrar, eles sofrem por não o encontrar. Basta ler Miguel Torga ou Jorge Luís Borges. Sartre? Sartre não é um agnóstico, Sartre é um sofista que, como revela agora a sua mulher, gostava de afirmar coisas que não percebia. Em “palavras” ele disse que disse um dia: “Tu não existes! Acabou!”. Bertrand Russel, famoso lógico inglês, ouviu e contou uma anedota: “Suponhamos que Deus existe; quem o criou a ele? Não faz sentido!”. O lógico cometeu um ilogismo, pois partiu de um princípio em falta: partiu do princípio de que todos os seres são criados, partiu do fim… partiu da conclusão! Neste aspeto, os ateus de hoje não valem os de antigamente. Entre os agnósticos, que não são forçosamente ateus, há que distinguir os bons e os maus, isto é: os sérios e os pedantes, e também os cínicos. Só os sérios deveriam merecer a nossa atenção. O seu sofrimento, que não é “metódico”, deveria encontrar na Igreja respeito e até admiração, na medida em que os verdadeiros agnósticos participam nas nossas próprias dúvidas e interrogações. Se eles encontrassem na Igreja pós-conciliar a mesma oportunidade que encontraram os grandes convertidos no princípio do século XX, grandes e ilustres agnósticos… Hoje, bastante abertos ao diálogo, andamos muito falhos de carácter…
A conspiração profunda que há entre nós e os verdadeiros agnósticos adivinha-se neste belo e profundo trecho de Tomás de Aquino: “Quando nos elevamos para Deus pela via da eliminação, negamos primeiro nele as representações corporais; depois até as representações intelectuais tais como nos vêm da criação; então fica somente no nosso espírito que Deus existe e nada mais. Finalmente, do próprio facto de existir, tal como existe a criação, excluímos Deus. Então o nosso espírito fica numa espécie de trevas e ignorância. É com esta ignorância, própria de um ser a caminho, que melhor estamos unidos a Deus. É nesta espécie de opacidade que se diz que Deus mora”.
Foi deste agnosticismo que nós próprios fomos acusados pelo poder romano e ferozmente perseguidos durante três séculos. “Nunca nenhum homem viu Deus”, resume assim o apóstolo João toda a vaidade das imagens idolátricas ou mentais com que religiões e filosofias pretendem figurar a Deus. Se de Deus só sabemos o que Ele não é, só sabemos como não é. D’Aquele-que-é, de IAVÉ, do KYRIOS, do DOMINUS, do SENHOR, só sabemos que ele é outro, inteiramente outro: “SANTO! SANTO! SANTO!”, diz Isaías [6, 3].
“Nunca nenhum homem viu Deus; o Filho único que voltou para o seio do Pai, ele no-lo deu a conhecer” [João 1, 18], “ele que no princípio era o Verbo, que estava com Deus, que era Deus – nele estava a vida – era a Luz dos Homens!” [João 1, 1-4]. Contra a gnose de nome mentiroso, eis a verdadeira GNOSE, o verdadeiro conhecimento de Deus: “A vida eterna é conhecer-te, SENHOR JESUS!” [1 João 5, 20-21]. De nós se pode dizer, suprema contradição com a única equivalência em Cristo, que somos simultaneamente agnósticos e gnósticos: todo o nosso conhecimento [gnose] vem de JESUS CRISTO, da sua humanidade… Mas é dos gnósticos que sofremos perseguição, da gnose do nome mentiroso. Dos verdadeiros agnósticos nunca sofremos perseguição…
Os bispos europeus, reunidos no VI Simpósio, estavam preocupados com as massas, com o ambiente chamado de indiferença que predomina tanto no Ocidente como a Leste. Os seus corações episcopais sofrem ao olhar “as multidões como ovelhas sem pastor”. Ali foi dito que a religião maioritária da Europa é a indiferença. E com razão. É que a indiferença é religiosa, muito religiosa, contrariamente ao que se pensa e ao que se diz. Sempre foi assim, e continua a ser. Há “futurólogos” que já disseram que “o século XXI será religioso, ou não será”. A indiferença não é em relação à religião, a indiferença é em relação à questão da Verdade. A indiferença não é praticante no sentido católico, mas respira religião. Está-lhe na pele. “O homem é um animal religioso”. Vale a pena analisar a religião da indiferença.


Leonel Oliveira
Actos e Actas n.º 5 | Voz Portucalense, 28 de novembro de 1985

Imagem: “A Madalena arrependida” [1635-1640] | Georges de La Tour