Segundo a opinião da imprensa mais bem informada, a viagem de João Paulo II à Índia pretendeu encorajar a pequenina Igreja que ali tem a escala e o tamanho duma seita: doze milhões de católicos dispersos naquela imensa floresta religiosa de setecentos e cinquenta milhões de habitantes, na sua grande maioria hindus. Terra de sucessivos encontros falhados, a imensa Ásia aguarda ainda o verdadeiro ENCONTRO HISTÓRICO de Jesus Cristo com os famintos e sedentos de Deus. Tanto na Índia como na China e no Japão, o Fermento lá está, por agora pequeno grão de mostarda no paraíso das especiarias!… Desde a descoberta do caminho marítimo para a Índia que a Evangelização da Ásia tem sofrido sucessivos adiamentos, sucessivos encontros falhados depois dos primeiros passos em falso da Antiguidade Cristã.
“Ó abismo da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Insondáveis são os seus decretos e incompreensíveis os seus caminhos!” [Romanos 11, 33]. Entre todas as nações da Terra diríamos que a mais bem preparada para receber o Evangelho seria a Índia, faminta de Deus, onde pela primeira vez na História brotou o grito: “O que eu quero é a Verdade!”. No século V antes de Cristo, o grito de Buda abalou todas as ilusões religiosas, na mesma altura em que os profetas de Israel denunciavam as insuficiências da Lei. Diálogo por diálogo, à primeira vista parecia-nos que os apóstolos deveriam dirigir-se não ao grosseiro paganismo dos Gregos e dos Latinos, mas ao pensamento pagão mais evoluído e mais avançado dos hindus, dos budistas e dos taoistas chineses. Nos Atos dos Apóstolos há uma passagem misteriosa que nos faz pensar nos estranhos caminhos de Deus: “Chegados aos confins da Mísia, Paulo e os companheiros tentaram ir à Bitínia, mas o Espírito de Jesus não lho permitiu. Eles atravessaram, pois, a Mísia e desceram a Trôade. Ora, durante a noite, Paulo teve uma visão: um macedónio estava ali, de pé, e dirigia-lhe esta súplica: — Passa à Macedónia, vem socorrer-nos” [Atos dos Apóstolos 16, 7]. A Igreja passou efetivamente aos Gregos, dos Gregos aos Latinos e dos Latinos aos Bárbaros, não sem se haver tornado grega entre os Gregos, latina entre os Latinos, bárbara entre os Bárbaros. Mas, se misteriosos são os caminhos de Deus, escabrosos são os caminhos dos Homens, escabrosos e difíceis, tortos e acidentados… Como explicar que, aberto o caminho marítimo para a Índia e embarcados Francisco Xavier e João de Brito, a primeira grande hora da Evangelização da Ásia constituiu historicamente um encontro falhado? Falhado na Índia, falhado no Japão e falhado na China! Não falhou na Índia pelas mesmas razões que falhou aquele pré-encontro da missão siríaca e depois da missão nestoriana do século II ao V, cujos restos os navegadores portugueses ali encontraram com grande surpresa?
Sabemos hoje que os primeiros evangelizadores da Índia no século II eram judaico-cristãos, incapazes daquela Liberdade com que Pedro e Paulo avançaram para os Gregos. Carregados de interditos e de obrigações rituais, os primeiros anunciadores de Cristo na Índia automuraram-se nas tradições que carregavam. Depois os missionários siríacos, que lhes sucederam, levaram uma mentalidade pessimista meia tintada de gnose, que na Índia era como chover no molhado. Logo os Maniqueus a seguir caíam sobre o húmus budista como sopa no mel. Os Monofisitas escorraçados pelo Ocidente, cuja ortodoxia não os aceitava, encontraram a oriente apenas uma terra de refúgio. Quando os Cristãos latinos portugueses ali chegaram, encontraram aquelas comunidades enquistadas e muradas nas suas tradições e teologias crispadas e cristalizadas, seitas entre seitas, e consumaram o pior: latinizaram-nas à força. Não iam eles em nome do rei de Portugal e do Papa? Além disso, a contradição ‘in radice’ entre o que os missionários ensinavam e a vida que levavam os políticos e os mercadores cristãos brancos, acabou por bloquear a Evangelização da Índia. Chegados os Ingleses e tornada a Índia joia da coroa, apesar da colonização e da assimilação das elites, o Evangelho não conseguiu passar nem sequer a homens como Tagore e Gandhi. Deste é aquela frase mais ou menos nestes termos: “Apesar do Evangelho que admiro, os Cristãos que conheço não me convencem a tornar-me cristão!”. Quanto a Tagore, nunca conseguiu separar Jesus Cristo da Religião do Ocidente.
De Jerusalém para os Gregos, Jesus deu o salto, apesar dos Judaico-Cristãos; dos Gregos para os Latinos, Jesus avançou, apesar dos Gregos-Cristãos. Os Bárbaros caíram em cima dos Latinos e só foi possível tornarem-se cristãos porque barbarizaram os Latinos e acabaram por se latinizar. Mas, quando chegaram os Mouros, já éramos Cristandade e só soubemos pegar em armas contra aqueles que vinham armados até aos dentes. Depois fomos às índias e aos brasis para dilatar a Fé e o Império. Todos. Depois dos Portugueses e Espanhóis, os Ingleses e os Franceses, e tantos outros. Agora os Americanos? Jesus Cristo, que nunca foi branco, está condenado aos brancos? Tem que ser romano? Mas os ATOS não acabaram. Até à Última Página…
Leonel Oliveira
Actos e Actas n.º 15 | Voz Portucalense, 13 de fevereiro de 1986